quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

23238

Magérrima figura que se mostra
Defronte ao velho espelho; quando o miro
Se fechando em si mesma, bebe o tiro
E deixa dos seus erros mera amostra.

Nas crostas que criara a infestação
Das larvas destruindo este tecido,
Condena-se deveras ao olvido,
Ao longe se percebe a podridão.

Escarnecido cão vaga sem dono,
Pudesse ter ao menos um afeto,
Mas quando nos esgotos me completo
Percebo quanto a vida eu abandono

Nesta metamorfose, decomposto,
Aos olhos dos passantes sigo exposto...

23237

Quimera que deveras não me deixa
A sorte não podia ser diversa
A noite entre fantasmas se dispersa
Ouvindo no final apenas queixa.

Quem fosse que pudesse traduzir
A voz inebriante do passado
Tentando consertar o mais errado
Desejo a impedir qualquer porvir.

Abençoada mão que esbofeteia
E corta em mil pedaços cada sonho.
Espectro de mim mesmo que componho
Vagando pelas luzes da candeia

Enquanto bruxuleia esta saudade
O medo aos poucos doma e tudo invade...

23236

A fronte; então levanto e busco a foz
Por onde derramasse fel e lava
Minha alma constrangida, serva, escrava
Procura algum alento, mas atroz
A vida emaranhando velhos nós
O passo que inda busco já se trava
E sou apenas isso, mera larva
Que um dia quis crisálida; porém
A sorte caprichosa não contém
O riso de alegria que eu sonhara.
Assim ao terminar mais um soneto,
Nos braços do passado me arremeto
Bebendo a luz tão clara e a vida amara...

23235

Inquieto coração que não sossega
Vagando por milhares de planetas
Enquanto os mesmos erros tu cometas
Minha alma ultrapassada segue cega.
Adentra o mar tranqüilo e não navega
Relembra de Florbela e violetas
Prepara a cada verso outras falsetas
E a boca de outra boca se desprega.
Pereço quando teimo em ser poeta,
Formal feito um fantasmas não consigo
Viver em liberdade, vaso antigo
Que a sorte tendo o brilho como meta
Não deixa mais sequer um só momento
Aonde possa crer num doce alento...

23234

Um cadáver apenas nada mais,
Há tanto abandonado em algum túmulo,
A poesia agora chega ao cúmulo
E os ossos que vos falam, ancestrais.

Apodrecido em vida, me retiro
E deixo-vos apenas a mensagem
Por mais que seja tosca esta paisagem
A cada esquina ouvindo mais um tiro.

Tentei por algum tempo ressurreto
Volver após estar já putrefeito
Ao mundo; mas não surte mais efeito
E o ciclo finalmente aqui, completo.

Mergulho neste abismo constrangido,
De onde não deveria ter saído...

23233

O medo do que um dia se fez novo
Movendo o meu caminho em temporais
Não quero ter os olhos no jamais,
Tampouco retornar ao mesmo povo

Que outrora se fizera companheiro
E agora me sugando cada gota
A força sendo frágil já se esgota
O amor nunca será mais verdadeiro

A farsa de um amante está desfeita
Imagem cadavérica somente
Arcaica garatuja inda mente
Enquanto te seduz, falsa, deleita.

E o quarto abandonado sempre às traças
Destrói farrapos podres quando passas...

23232

A face leonina da verdade
Arrancando os meus olhos me permite
Falar da solidão, mero palpite
Que entranho como fosse liberdade.
Nas mãos o gosto amargo da saudade
O beijo que pensara ser limite
Atordoadamente já se evite
A mata aonde o gozo agride e invade

Nefastos versos trago inebriado,
Nos olhos desvencilho-me e o pecado
Após as ermas noites me domina.
O quanto não teria se inda fosse
Apenas tão somente este agridoce
Poeta que deveras não fascina...

23231

Quem dera se pudesse doce e mansa
A poesia atroz que me fascina
Enquanto a realidade me extermina
Uma alma cristalina ainda dança
Mergulho tão solene na lembrança
E bebo desta fonte que ilumina
Uma alma delicada desatina
E temerária atroz, ainda avança
Segredo meus momentos de delírio
Ainda que pudesse em vão martírio
Negar a realidade que maltrata
Não mais teria o gozo venturoso
De quem se faz etéreo e caprichoso
A vida não será jamais sensata...

23230

Sentindo esta presença tão cruel
Da fera atocaiada numa esquina
Escondo o meu olhar, abaixo o véu
E o medo deste bote me domina.
A morte também fera em seu papel,
Ao mesmo tempo assusta e me fascina,
Girando como fosse um carrossel
Bebendo desta fonte cristalina
Amortalhado sonho não me ilude
Viver além do quanto ainda posso
Por mais fragilizado e sem saúde
Apenas reação ainda esboço
E cerco-me de estrelas fumegantes
O fim já se aproxima em tais instantes...

23229

Primores entre raros movimentos
Belezas encenadas, triste peça
Sem ter esta ilusão que ainda impeça
Persigo os meus fantasmas e tormentos.
Os dias que se passam frios, lentos
Minha alma em solidão feroz se engessa
Pergunto por que tenho tanta pressa
Se sei jamais virão quaisquer alentos.
Não tendo solução nem a permito,
Apenas me restando um frágil grito
Resulta nesta rigidez granítica.
A porta que pensara estar aberta
A morte se aproxima e já me alerta
Mostrando-se real e jamais mítica...

23228

O amor que tantas vezes quis divino
Afasta-se deveras dos meus passos,
E quando percebendo vãos, espaços
Nas tramas que inda restam me fascino
E embora nada além deste menino
Que traz nos seus olhares, brilhos lassos,
Estendo minhas mãos procuro laços
E assim o meu futuro; determino.
Na ausência da esperança o que seria
Do mundo, simplesmente uma agonia
Viver esta utopia nos faz bem
Mas quando solitário caminheiro,
O mundo tão cruel se verdadeiro
Na busca interminável, nada vem...

23227

Quem dera por mil astros, rodeado,
Qual fora um sol imenso em dia claro,
Mas quando vejo o tempo assim nublado
O fim das esperanças eu declaro,
Quisera ter alguém sempre ao meu lado,
Porém um fato assim deveras raro
Trazendo o meu olhar tão marejado
Traduzo a cada verso o desamparo.
À parte deste mundo, solitário
Quem dera noutras eras, solidário
Porém o meu fadário não se engana.
Apenas a mortalha me acompanha
A dor que se demonstra assim tamanha
Uma alma sem descanso já profana...

23226

Aurora resplandece e entorna cores
Mudando este cenário; abençoando
O dia que nascendo irá sanando
Das almas dos poetas tantas dores...
Inútil fantasia trama flores
E o quadro permanece. O vento brando
Encontra o mundo tosco desabando
E segue por aonde ainda fores.
Escuto a tua voz, longínquo grito
Errôneo cavaleiro em disparada
Ao fim de mais um dia, outra jornada,
E o coração persiste sempre aflito
Quiçá possa encontrar um novo alento
Diverso do que trouxe o brando vento...

23225

Quisera caminhar por outras sendas
Aonde houvesse luz entre cascatas,
Adentro sem saber terríveis matas
Segredos que tampouco tu desvendas,

Nos olhos embotados, frias vendas,
Um tanto carinhosa me arrebatas;
Mas logo vil pantera tu me matas
E deixas no lugar amargas lendas.

Serenas serenatas do passado
No olvido não serão mais relembradas
As noites que pensara enluaradas

O tempo segue agora em vão, nublado.
Morrendo entre teus dentes doce fera,
A vida noutra senda regenera...

23224

Meu caminho tolhido pela dor
Que tanto me persegue e não me deixa
Ouvindo da esperança qualquer queixa
Quisera ser ainda um sonhador.

Mas tudo se passando desta forma,
Ausente da esperança; sigo só
Volvendo neste instante ao mesmo pó
Que a vida pouco a pouco já deforma.

A senda mais profícua; inda procuro
E vejo que talvez nada aconteça
Só peço: pelo amor de Deus me esqueça
Não posso suportar um chão tão duro.

Vergando sobre o peso do passado,
Apenas um momento destroçado...

23223

A fera não se afasta e permanece
Olhando para mim, com mansidão,
Eu sei que no final devastação,
É como se defronte não houvesse
Um ser que tanta dor atroz padece
E muda vez em quando a direção,
Tentando algum alívio e solução,
Porém felina audaz não obedece.

Quem dera se de mim compadecida
Poupasse pelo menos minha vida,
Mas nada me permite imaginar
Outro final senão a morte agônica
Assim durante a vida, a mesma tônica
Atônito; não pude caminhar...

23222

Figura cambiante, transtornada
Vestida de ilusão finge pensar
Que ainda existe tempo pro luar
Não vê a morte exposta na calada.
O vento que pensara uma lufada
Terrível tempestade a se formar,
Os sonhos esquecidos nalgum bar
Durante o meu passado, madrugada.
Agora não consigo mais saber
Aonde se escondeu a estrela guia
Mortalha revestindo a poesia
Cansado de lutar e de viver.
Olhando para o espelho vejo em mim
As marcas tão profundas do meu fim...

23221

Num salto sobre mim esta pantera
Expondo suas garras, firmes dentes,
Sangrantes ilusões, cruel espera
Os dias entre as ânsias são dementes
E quando se prepara ao bote, a fera
Em ritos tão macios e envolventes
Quais fossem os carinhos das serpentes
Atocaiado monstro; o medo gera.

E ao mesmo tempo traz tal sedução
Que entregue ao seu poder fico parado.
O bote com cuidado preparado,
O corpo destroçado cai ao chão,
E as aves rapineiras; calmos gestos,
Devoram com prazer enorme os restos...

23220

Subindo ao mesmo instante em que meus versos
Alçaram cordilheiras entre os sonhos,
Mergulho nos abismos mais medonhos
E bebo dos sentidos tão diversos.

Seria o que talvez salvasse quem
Depois da tempestade nada teve,
O beijo mais atroz não se conteve,
Enquanto a madrugada fria vem

Eu traço os meus engodos entre as cores
E sei que a minha morte se aproxima,
Não sendo tão somente simples rima
Deixando para trás falsos amores.

Olhando este retrato amarelado
Entorno cada gota do passado...

23219

Firmando a cada passo mais os pés
Não deixo me levar pelos modismos,
Tampouco me exporei aos cataclismos,
Não quero nem algemas nem galés.
Apenas não suporto tal viés
Deixando a poesia sem batismos
Nem mesmo suportando novos sismos
Soneto merecendo rapapés.

Ourives sem as gemas não produz,
Agora escuridão sonega a luz
E o que era decassílabo se esgota.
Não tenho paciência para tanto,
O esgoto traduzindo desencanto
O terno entre bermudas se amarrota...

23218

Seguindo sempre avante enfrento os mares
Teimoso capitão perdendo a nau
Naufrágios entre medos, rondas bares
O rito se mostrando sempre igual,
As velhas poesias seus luares
Moldando este momento triunfal
Aonde o desacerto é tão normal
Friáveis sentimentos são vulgares.
Não posso me deixar levar; contudo,
Embora solitário inda me iludo;
E teimo com meus versos mais ritmados
Soneto com tal veste esfarrapada
Não diz aos meus ouvidos quase nada
E os sonhos entre trevas enterrados...

23217

Meu corpo entre os lençóis deveras lasso
Batalhas que diárias não descansam,
Enquanto estas palavras vãs se lançam,
Pergunto se valeu sequer um passo.
E quando o meu porvir, medonho traço
Os olhos sobre mim nunca se amansam,
Promessas abortadas já se avançam
E o tempo perde rumo e sem compasso
Num pendular tormento a vida plana
Manter a porta aberta, soberana
Não deixa algum momento em liberdade.
As velhas mariposas retornando
E o que pensara outrora fosse brando
Transforma-se em loucura e em vão me invade...

23216

Não creio ser ditoso quem procura
A sorte em meio a vagas ilusões,
Por mais que se protelem soluções
A vida não trará mais esta alvura
Que um dia sonegando a noite escura
Mudara dos meus olhos direções
Tomando num segundo as amplidões
Forjando novo tempo em que a ternura
Pudesse desfiar belos matizes
Cegando os meus atrozes, vãos deslizes
Moldando um claro e raro amanhecer.
Mas sendo tão somente fantasia
A realidade clama e desafia,
Melhor é descansar e em paz morrer...

23215

Vencido desde já um tosco espaço
Por onde perambulam almas vãs
Procuro pelas cores das manhãs
Vislumbro tão somente o meu cansaço.
E quando pelas nuvens inda passo
Espreito as alegrias vejo as cãs
O cais sonega a volta de amanhãs
Perdidos nesta noite; em que desfaço

Os nós que me atariam ao viver
E os crivos matariam cada sonho
Ainda que longínquo; não componho
Sequer uma ilusão, pois desprazer
Espalha pelo chão as armadilhas
Sonegando os caminhos onde trilhas...

23214

Tomado por total ansiedade
Vencendo os dissabores mais frequentes
Os sonhos entre nuvens, penitentes
Apenas veredicto que se aguarde
Quisera ser mais crível liberdade
A faca carregando entre meus dentes
Momentos mais felizes são urgentes,
Somente a solidão fatal me invade.
Medonha criatura serpenteia
No mar que tantas vezes ancorei,
A sorte se envolvendo em tosca teia
Acasos refletindo o que julgara
Deveras depois disso, nada sei
Somente a morte em vida se declara...

23213

Lutando contra o mar tão perigoso
As ondas entre ventos, tempestades,
Meu barco não suporta as novidades
Aderna sobre as ondas, caprichoso.
Aonde percebera qualquer gozo
Deveras não vislumbro as claridades,
Apenas me tomando falsidades
Mergulho no oceano vaporoso.
Dos gêiseres que tanto me aqueciam
Apenas as crateras e o vazio.
Os dias em poesia feneciam
Mortalha que inda trago pesando a alma,
Futuro de um poeta é tão sombrio,
A sorte traiçoeira, ainda acalma...

23212

Olhando para o céu sigo esgotado
Depois de ter lutado a vida inteira
Reluto e bebo as gotas do passado,
A morte minha amiga derradeira
Deitando mansamente do meu lado,
Estrela de minha alma, corriqueira,
O tempo se demora e maltratado
Não tenho mais sequer quem inda queira;
Vazio um pária segue nas sarjetas
Pensara ser apenas quais cometas
Que um dia voltarão; inútil sonho.
Do escuro que surgi; ao mesmo volto
Os trunfos que guardei; aos poucos solto
E o fim turvo e vazio, assim componho...

23211

A noite em pesadelo, atribulada
Vencendo os mais complexos temporais
O barco se afastando de algum cais
A morte a cada instante anunciada.
A vida em tal terror já transformada
Diversos infinitos siderais
Vagando por caminhos infernais
Depois de tanta luta, resta o nada...
A sombra do que fomos; nos espreita
A lua sobre as nuvens se deleita
E guarda os raios prata, veste luto.
Assim ao despertar, a morte ronda
Nos lábios no vazio arranco a sonda
E contra a própria vida, a esmo luto...

23210

Sobre as ondas navego em mar tranqüilo
Deixando estas procelas para trás
A solidão traduz agora a paz,
No mundo que procuro então desfilo.
Ardis que tanto usei nada valendo
A morte da poesia; prenuncio
O espaço em que mergulho está vazio
Beleza se transforma num adendo.
E atento ao que acontece só me resta
Viver o tempo curto que inda sobra
Enquanto o sino ainda não se dobra
Imagem derradeira e tão funesta
Eu canto em liberdade, sem açoites
Dourando em fantasias minhas noites...

23209

Minha alma se esgotando na batalha
Por tantas vezes quis abandoná-la
Deixando tão vazia a velha sala
Aonde a poesia em vão trabalha.
Servindo tão somente de mortalha
Enquanto a minha voz a vida cala,
O tempo ultrapassando nada fala
E a bala se perdendo me atrapalha.
Lançando um tolo brado em direção
Ao que pensara ser uma amplidão
Não vendo uma resposta que convença,
Prossigo solitário cavaleiro,
Teimando com arcaico e vão tinteiro
Evitando porém a desavença...

23207

Os ídolos com pés feitos de barro,
Mentiras repetidas são verdades,
Comprando as mais diversas falsidades
Nas mãos da poesia eu já me agarro.
E teimo em correnteza, não desgarro
Apenas não direi mais veleidades
Por mais que se permitam liberdades
A boca não engole mais o escarro.
Eu sinto esta falência em toda parte
Assassinaram; toscos, a bela arte
E profanaram dela, a sepultura.
Depois são baluartes da esperança,
O fardo; não carrego nem me alcança
Apenas tenho pena da cultura...

23206

Na noite atribulada dos meus sonhos
Insônias entre medos, pesadelos,
Os dias entremeiam-se, novelos
Assustadoramente são medonhos.
Os beijos sempre falsos ou bisonhos,
Melhor é não saber como contê-los
Esqueço mesmo até velhos modelos
Agora no passado; pois tristonhos.

Nasci em meio ao gozo do vazio
E faço do meu canto o desafio
Desfio a realidade e já me perco.
A morte da ilusão amadurece
O gozo da alegria feita em prece
Servindo tão somente como esterco.

23205

Perdura-se esta maga confraria
Que bebe com vontade este vinagre
Teimando ser talvez quase um milagre
O que ousam decifrar por poesia.
Não farei parte mais de tal comédia,
Assento-me deveras na verdade,
Um diamante ao ver a falsidade
Não prende e nem segura qualquer rédea.
Apenas observando este sarau
Aonde profecias são ditadas
Por almas entre arbustos mal criadas
Afundam da esperança qualquer nau.
Eu vejo repetir-se o mesmo rito,
Potencializado ao infinito...

23204

Desfilo o meu talento sem empáfia
E faço do meu verso perolado
Apenas tão somente este recado,
Porém não me entregando à turva máfia
Prefiro caminhar sempre sozinho
Ninguém me escutará, mas eu me basto,
O canto que tentara já tão gasto
Engasgo com mentiras, não me alinho.
E vejo que a verdade morta está
Apenas fantasias e joguetes,
Não solto nem proclamo com foguetes
O encanto que este verso não trará.
Medonhos os desvios da poesia
Minha alma libertária não se alia...

23203

No assombro que se mostra a cada verso
Ouvindo dos marulhos tradução
O velho timoneiro, a embarcação
Galgando desde o mar tal universo.
Em meio às ilusões fora disperso
Agora ao perceber a direção
Escuto de mim mesmo a negação
Entregue aos meus dilemas, sigo imerso.
Perversas emoções, falsos sorrisos,
Mentiras entre gozos e risadas.
Assim ao traduzir minhas estradas
Arrebentando agora os toscos guizos,
Não quero ser apenas um palhaço
E um novo amanhecer deveras traço...

23202

Isolo-me; deveras sou arcaico
E vivo tão somente por saber
Que mesmo sendo até mesmo prosaico
Alguém possa talvez, um dia ler
Escrevo numa espécie de mosaico
E bebo a fantasia sem querer
Trazer à vida um tom cristão ou laico
Apenas decifrando o desprazer.
As pérolas aos porcos? Nunca mais,
Esgoto dentro em mim os meus anseios.
E teimo em prosseguir nos árduos veios
Por mais que não pareçam os normais.
Ourives da palavra sou poeta,
Somente a poesia me repleta...

23201

Guiado pelas mãos de Beatriz
Após ter enfrentado o duro inferno
Quem sabe então seria mais feliz
Deixando para trás nevasca, inverno.
Porém realidade se desdiz
E o que pensara manso ou mesmo terno
Demonstra os meus ares turvos, vis
E defronte à realidade em paz hiberno.
Dantescas ilusões, rara epopéia
Enfrento dentro da alma a centopéia
Gigante Calabar que desafio.
Ao fundo se gargalha esta Medusa
Quimera que deveras usa; abusa
Fazendo-me estopim, ledo pavio...

23200

Sentindo em minhas costas as vergastas
Lanhando com diversa profusão
Pergunto e sempre encontro o mesmo não
Por que ao ver o fim, tu já te afastas.
Imagens são deveras mais nefastas,
A morte não merece aprovação.
Porém ao dividir tal provação
Pudesses redimir. Mas não te bastas

Apenas esta cena, degradável
O mundo que sonhei mais agradável
Trazia algum prazer ; vagas mentiras?
E agora que o final se mostra claro,
Invés de companhia ou mesmo amparo,
O que negas aos cães tu já me atiras...

23199

Quem dera se de luz fosse banhado
O sonho que carrego; fantasias;
Além deste universo que querias
O tempo muitas vezes ao teu lado.
Mas quando vejo o fim já disfarçado
Em falsas e terríveis alegrias,
Apondo no caminho as agonias
Caminho entre os espinhos malfadado.
Não deixo de tentar alguma sorte,
Mas como se bebendo desta morte
Gotículas em doses mais crescentes
Olhares que inda tento disfarçar
A trágica loucura que ao findar
Expõe como uma fera, garras, dentes...

23198

Nos olhos mascarando o teu pavor
Diversas ilusões acumuladas,
As horas pela vida degradadas
Nas mãos a morte em forma de um andor.
Atravessando montes; sou condor
As hordas de fantasmas disfarçadas
Adentram pelas casas, paliçadas
Imagem dura e tétrica a compor.
No vasto das planícies de onde vim,
O medo se tornando mais freqüente
Pudesse caminhar inconseqüente
Talvez não padecesse tanto assim.
Mas vendo a morte em cena, triste ocaso,
Do fim que se aproxima já me aprazo...

23208

Caminho por um vale feito em trevas
Escuros os desvios e os atalhos,
Nos dedos e nas mãos profundos talhos
As dores permanecem, são longevas
Escravo das estúpidas mentiras
Que tanto apregoaste no passado,
O passo muitas vezes destroçado
Dos sonhos nem sequer pequenas tiras.
Resumo a minha vida no não ser
Servil, envilecido nada quero
O gosto do prazer amaro e fero
Impede um claro e belo amanhecer.
Somente a morte molda a fantasia
Quem sabe, nos seus braços, a alegria...

23197

Caminho por um vale feito em trevas
Escuros os desvios e os atalhos,
Nos dedos e nas mãos profundos talhos
As dores permanecem, são longevas
Escravo das estúpidas mentiras
Que tanto apregoaste no passado,
O passo muitas vezes destroçado
Dos sonhos nem sequer pequenas tiras.
Resumo a minha vida no não ser
Servil, envilecido nada quero
O gosto do prazer amaro e fero
Impede um claro e belo amanhecer.
Somente a morte molda a fantasia
Quem sabe, nos seus braços, a alegria...

23196

Ao longe no horizonte esta colina
Aonde em pensamentos imagino
Poder sentir o toque cristalino
Do amor que tantas vezes me fascina.
Por ser tão tentadora me domina
E desde os meus primórdios, o menino
Tomado por completo desatino
Pensara ali mudasse a dura sina.
Mas quando consegui alçar montanhas
Pensando nas vitórias e façanhas
Eu vi que na verdade era ilusão
E volto a perceber a realidade
E embora ainda teime em liberdade,
Rastejo sobre o agreste e duro chão...

23195

Abandonando agora este caminho
Que outrora se fizera mais seguro,
O medo do presente e do futuro
Invade sem defesa o velho ninho
E quando do final eu me avizinho
A sorte caprichosa eu emolduro
Por sobre cada passo, salto o muro
E vejo que inda estou muito sozinho.
Deveras deveria ter nos olhos
Além das urzes, pedras, dos abrolhos
A pura perspectiva de uma flor.
Mas quando vejo em volta a negação
Volvendo à realidade desde então
Mudando a minha história bebo a dor...

23194

Meus sentidos o sono quando os toma
Devastações profanas entre tantas
E quando com verdades desencantas
Adentro este torpor, supremo coma.
Apenas o vazio dita a soma
E mesmo quando em guerras tu levantas
Ainda assim abrolhos cevas, plantas
E a vida ao mau presságio já se assoma.
Negar os velhos ditos deste oráculo,
Fugir desta mortalha e seu tentáculo,
Apenas ilusão e nada mais.
O sono que devia apascentar
Pelo contrário vem desmascarar
A ausência pertinaz de um manso cais...

23193

Pudesse te contar como soubera
Das vestes tão puídas da esperança,
Mas quando no vazio a voz se lança
Teimando com suprema primavera.
A amiga solidão, negra pantera
Almejando o final que agora alcança
Estância em plena paz, vaga lembrança
Do que vivi outrora, hoje é quimera.
Nefastas nuvens dizem temporais
Resposta repetida: nunca mais,
Minha alma se entregando à correnteza;
Pudesse ter nas mãos algum escape,
Porém a morte traz no seu tacape
Uma última verdade, esta certeza...

23192

Jamais sonegarei qualquer verdade,
Pois dela me alimento e me sacio
Se o tempo muitas vezes desafio
Ainda posso crer na liberdade.
Mas quando me deparo com saudade
A vida novamente; em vão, desfio
E tudo o que inda penso, falo ou crio
Esvai-se num esgoto que me invade.
No velho lamaçal adentrando a alma
Somente a solidão inda me acalma
E o medo do futuro me acompanha.
Erguendo um claro brinde à poesia
Que em meio às tempestades me alivia
Cicuta faz as honras da champanha...

23191

Já havia deparado com o espelho
E visto esta figura caricata
A sorte que deveras me arrebata
O fim se aproximando, eu me aconselho
E nada mais que possa dirimir
As dores que não querem sossegar,
Exposto aos raios prata do luar
À noite em sonhos belos, meu porvir.
Mas tudo é ilusão, e passageira,
A dura realidade não descansa
Houvesse ainda um resto de esperança
Quem sabe. Mas a morte é corriqueira
E dela ninguém pode se furtar
Por mais que beba os raios do luar...

23190

Acerbo este caminho leva à morte
Que tantas vezes tive à minha frente
Por mais que parecesse estar descrente
É nela a realidade firme e forte
Sem tem sequer um sonho que conforte
O fim se aproximando alma pressente
E mesmo quando a vida violente
Assim já se traçou destino e Norte.
Não posso sonegar esta verdade
E creio ser movido por tal fato
Se às vezes o futuro desacato
Apenas são bravatas; liberdade...
Ao vento estas palavras seguem soltas
Enquanto as minhas horas vão revoltas...

23189

Por ser tão curiosa esta memória
Refaz cada momento que encontrei
Regalos que fizeram quase um rei
Até segundos raros de vanglória.
Da empáfia à realidade, minha história
Há tanto que deveras enfrentei
Diversa deste encanto que busquei
O canto mostra a senda merencória.
E apenas o vazio permanece
Nos olhos os favores de quermesse
E a prece Inesgotável serventia.
Talvez se visse espelhos com acerto
Meu mundo não seria este deserto
Que a cada amanhecer mais se esvazia...

23188

Encontro em descaminho áspero solo
Enfrentando as falésias e penedos,
A vida se embrenhando em seus segredos,
Apenas tão distante, eu me consolo,
Enquanto sou vassalo nego o colo
Ausente de meus olhos toscos medos,
Mantendo mais distante; olhos, dedos
A cada nova queda mais me esfolo.
Atrozes os desníveis desta senda,
Não posso mais vencer qualquer contenda
Nas tendas em que durmo, solidão.
Hereges preconceitos, tolos tempos,
A cada nova curva, os contratempos
Levando ao vão naufrágio a embarcação...

23187

A vida pra quem sonha é tão penosa
As dores cultivadas no jardim
Volvendo a cada instante dentro em mim,
O medo se espalhando em toda rosa.
Levara a sorte ao menos, vaporosa,
Vagando por espaços sem ter fim,
Vislumbro amanhecer e sei assim
Que a sorte muitas vezes é danosa.
O quanto imaginara soberano
No fundo apenas restos do que tive,
Minha alma tão somente sobrevive,
Aguardando o final, abaixa o pano
E a peça mal escrita já termina
Selando com a morte a negra sina...

23186

A senda tantas vezes tenebrosa
Por onde procurara uma esperança
Espinhos decorando toda rosa
Na ponta dos teus dedos, fina lança.
E quando vejo imagem vaporosa
Beleza sem igual, a vista alcança;
Mas logo a realidade chega e avança
Matando esta alegria caprichosa...
Ao novo amanhecer se o sonho atreve
Encontra pela frente o frio e a neve
Nas mãos os velhos calos, nada além.
E teimo em procurar a fantasia
Que a cada amanhecer de novo adia
E com certeza, amigo, nunca vem...

23185

Durante esta jornada pela vida
Sombrios descaminhos; encontrei
Esperança deveras já perdida
Apenas a desgraça sendo a lei
Houvera mais distante uma saída
Que há tanto sem destino procurei;
Volvendo à solidão, sutil ermida
Agora nada tenho e nem terei;
Seguir sem perceber as armadilhas
Durante a noite em trevas quando trilhas
Verás já decompostos os teus sonhos.
Mereço melhor sorte? Não respondo,
O dia a cada tempo recompondo
Promete pesadelos mais medonhos...

23184

Buscara pelo menos um conforto
Em meio a tantos cactos e aridez
Apenas uma leda estupidez
O tempo de sonhar, apenas morto.
Teimando com um cais, distante porto,
Minha alma em tal loucura já desfez
A rota que deveras na altivez
Pensara e prosseguindo tão absorto

Não pude perceber ser impossível.
Além do que julgara imperecível
A vida se prepara para o fim.
E bebo este veneno em raro cálice
Enquanto a realidade grita: cale-se!
Mergulho no abissal que existe em mim...

23183

A morte com sarcasmo ao ver-me brada
E lança o gargalhar decerto espúrio
Minha alma acostumada com perjúrio
Olhando de viés fica calada.
A sorte há tanto tempo abandonada
Ouvindo da esperança algum murmúrio
Destino procurando quem depure-o
Percebe quão vazia a minha estada.
As horas me devoram e não resta
Senão esta figura que, funesta
Aguarda bem tranqüila o ato final.
E a morte amortalhada em negros trajes
Sorrindo e blasfemando seus ultrajes
Demonstra o seu orgulho triunfal...

23182

Havia dentro em mim uma esperança
Que sei agora ser simples tolice,
A vida prometera e já desdisse
Enquanto o que procuro não se alcança.
Ouvindo o mesmo grito que a lembrança
Tramando o que a verdade não cumprisse
Caminho alternativo que se visse
Mentira sem alcance, a vida lança.

Morrendo a cada instante em que sonega
O alento e o lenitivo necessários
Os dias que virão; ledos corsários
Por mares onde a sorte não navega
E todos os presságios dizem não.
Naufrago sem perdão, cada ilusão...

23181

Apenas um espectro celerado
Que vaga pelas noites sem paragem,
Especular visão, sombria imagem
Restolho de um escombro do passado,
O olhar assim distante está parado,
Sem ter um horizonte, uma miragem
Traduz ao longe o gozo da estalagem,
Mas vejo novamente estava errado.
Recolho os meus pedaços e prossigo,
Nas rotas fantasias que inda restam
Relíquias que em detalhes sempre atestam
Um conforto longínquo em manso abrigo,
E agora este farrapo, a noite traz
Tentando pelo menos, morte em paz...

23180

Mal pude perceber tua chegada
Vieste sorrateira em noite escura
Da eterna frialdade, sem ternura
Jamais esperaria além do nada.
A lua prateando esta calçada
As sombras de quem vaga e que procura
Alguma forma insana de brandura
Ou mesmo algum remanso e já se enfada.
Bateste em minha porta e com sorrisos
Deixando perceber certo sarcasmo
Silenciado então, atento e pasmo
Após ouvir de ti toscos avisos
Eu percebi selada a minha sorte,
Nos ermos mais risonhos de uma morte...